28 de mai. de 2012

Cinema em Casa

Os Descendentes,

filme baseado no romance da escritora havaiana Kaui Hart Hemmings, conta a história de Matt King, (interpretado por George Clooney), importante advogado no Havaí, responsável por administrar centenas de hectares de terras na ilha de Kauai, herdada por ele e seus primos. A propriedade, em vias de ser vendida por um valor milionário para a construção de um resort, pertenceu à realeza havaiana do século 19, da qual a família descende.

Isolado em sua missão de rei de um pequeno reinado, tem notícias distantes de quem está muito próximo a ele... ou deveria estar.
Ao se reaproximar das filhas, o advogado se dá conta de que, para ele, as garotas eram pouco mais que duas estranhas, mas que, ainda assim, descendiam dele.
O filme acompanha esse percurso e coloca em pauta uma reflexão sobre aquilo que a morte lhe legou: terras, dinheiro, segredos, afetos e responsabilidades.
Aqui a morte parece funcionar como grande ordenador simbólico, a única lei à qual cada um está submetido: a morte sempre chega para todos, mais cedo ou mais tarde - o que nos põe em posições de transmitir algo para durar através do outro, numa espécie de compromisso que se perpetua através das gerações. 
A partir da cena traumática do acidente da mulher de King, o espectador acompanha o encontro do protagonista com o significado do passado em sua vida atual. Ao longo do filme, é possível perceber que sua história não é apenas individual, mas está inserida em um sistema de tradições e códigos simbólicos, próprios de certo tempo e específicos de determinado grupo.

Segundo o filósofo Jacques Derrida, é preciso saber reafirmar o que vem antes de nós e nos comportar diante disso como sujeitos livres. Não podemos escolher nossa herança, mas é possível escolher preservá-la viva, reinterpretá-la.

Os Descendentes aborda a questão da transmissão psíquica na atualidade, tema sobre o qual a psicanálise vem se debruçando há algum tempo. Uma das hipóteses do psicanalista francês René Kaës é que a própria ideia de transmissão esteja em crise. Por uma série de características daquilo que chamamos de "modernidade", o mundo de hoje deflaga incertezas sobre os valores e os saberes a transmitir, e até questiona quais são de fato os destinatários daquilo que se transmite.

Para escrever a própria história, o sujeito deve resgatar pela memória o tempo passado, mas não apenas como lembrança. Os acontecimentos familiares, além de recordados, devem ser representados, apropriados pelo sujeito, inscritos de algum modo no tempo atual. Destronado de narcisismos...

Por Marta Okamoto - Psicanalista e Patrícia Porchat - Psicanalista Doutora em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo.